O cinema brasileiro sempre teve um olhar aguçado para os dilemas sociais e políticos do país, e “Saneamento Básico, O Filme” (2007), dirigido por Jorge Furtado, é um exemplo brilhante de como a crítica pode ser feita com humor e leveza. Com um elenco afiado, liderado por Fernanda Torres, Wagner Moura e Lázaro Ramos, o filme mistura comédia e realidade social para abordar um problema cotidiano: a falta de infraestrutura básica nas pequenas cidades brasileiras.

Enredo e Contexto

A trama se passa em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, onde a comunidade reivindica a construção de uma fossa para o tratamento de esgoto. No entanto, ao solicitarem recursos públicos, os moradores descobrem que não há verba para saneamento, mas há dinheiro disponível para a produção de um filme. Diante dessa situação absurda, a protagonista Marina (Fernanda Torres) e seu marido Joaquim (Wagner Moura) decidem criar um falso projeto cinematográfico para conseguir os recursos necessários.

O filme dentro do filme se torna um hilário reflexo da burocracia e do improviso típico da administração pública brasileira. Com um orçamento limitado e sem experiência no audiovisual, os moradores tentam produzir um filme de ficção científica sobre um monstro que vive no esgoto. O resultado é uma sucessão de situações cômicas que ressaltam tanto a criatividade do povo brasileiro quanto a falta de investimentos em necessidades básicas.

Crítica e Temas

Jorge Furtado, conhecido por seu olhar satírico e sua crítica social afiada (Ilha das Flores, O Homem que Copiava), usa a comédia como ferramenta para expor um problema grave: a precariedade do saneamento no Brasil. Em um país onde milhões de pessoas ainda vivem sem acesso à coleta e ao tratamento de esgoto, o filme toca em uma questão urgente com um tom leve, mas nunca superficial.

A narrativa também joga luz sobre o desperdício de recursos e a burocracia ineficaz. A ideia de que é mais fácil conseguir dinheiro para um filme do que para uma necessidade real é tão absurda quanto verossímil. O roteiro de Furtado acerta ao construir personagens cativantes que, mesmo em meio ao caos administrativo, mantêm a esperança e a vontade de mudar sua realidade.

Elenco e Atuação

O elenco é um dos grandes trunfos do filme. Fernanda Torres brilha como Marina, trazendo um humor inteligente e uma energia contagiantes. Wagner Moura, com seu talento versátil, interpreta Joaquim com uma mistura de ingenuidade e determinação que o torna extremamente carismático. Lázaro Ramos, Camila Pitanga e Tonico Pereira completam o time, garantindo momentos hilários e cheios de espontaneidade.

Os personagens são bem construídos e representam um retrato fiel do povo brasileiro: criativos, resilientes e bem-humorados mesmo diante das adversidades. Essa caracterização aproxima o filme do público e torna sua crítica ainda mais eficaz.

Estilo e Direção

Furtado usa um estilo despojado, com uma fotografia simples, mas funcional, que combina com o tom documental e improvisado da história. A metalinguagem é explorada com inteligência, criando momentos divertidos em que os personagens discutem sobre cinema enquanto tentam fazer um filme de baixa qualidade. Essa abordagem lembra o cinema de Eduardo Coutinho, onde a realidade e a ficção se misturam de maneira fluida.

A edição dinâmica e o ritmo leve garantem que a narrativa nunca se torne cansativa. O humor, muitas vezes irônico, evita exageros e se sustenta na situação absurda em que os personagens estão envolvidos.

“Saneamento Básico, O Filme” é uma obra essencial do cinema brasileiro contemporâneo. Com uma crítica inteligente e um humor afiado, Jorge Furtado transforma um problema grave em uma história envolvente e hilária. O filme nos faz rir, mas também nos faz refletir sobre a precariedade dos serviços públicos e a criatividade do brasileiro para contornar dificuldades.

Ao final, a grande lição é que, no Brasil, quando falta saneamento básico, sobra criatividade. Uma comédia que diverte e provoca, reafirmando a força do cinema nacional como ferramenta de crítica social.