É uma obra que transcende o simples drama familiar para se tornar uma reflexão mais ampla sobre o luto e a conexão entre os vivos e os mortos.

O cinema brasileiro tem a capacidade única de abordar questões profundamente humanas com uma sensibilidade ímpar. Em “Ainda Estou Aqui”, a diretora e roteirista estreante Walter Salles Neto nos convida a mergulhar em uma narrativa intimista e envolvente, que trata de temas como luto, memória e a presença do invisível. O filme, lançado em 2024, é uma adaptação do romance de Marcelo Rubens Paiva, e desde a sua estreia, tem recebido elogios tanto da crítica quanto do público.

“Ainda Estou Aqui” acompanha a história de Amanda (Mariana Lima), uma mãe que enfrenta a dor da perda de seu filho adolescente, Gabriel (André Dias), que morreu tragicamente em um acidente de carro. O filme se passa um ano após a morte de Gabriel, quando Amanda começa a experimentar estranhas manifestações em sua casa, sugerindo que a presença de seu filho ainda está de alguma forma ligada ao local.

A narrativa se desenvolve como um híbrido entre o drama e o sobrenatural, sem jamais pender completamente para o terror ou o misticismo. O foco não está em sustos, mas sim em como a ausência se manifesta de maneiras sutis e poéticas. Amanda, devastada pelo luto, precisa confrontar seus próprios sentimentos e memórias enquanto tenta entender essas aparições. Elas são apenas criações de sua mente desesperada por algum tipo de consolo? Ou há algo além do que os olhos podem ver.

O filme trabalha com a ideia de que a morte não é um corte abrupto na vida das pessoas, mas sim um processo contínuo de aceitação e transformação. A dor do luto é retratada de maneira crua e honesta, mas também profundamente simbólica. As cenas em que Amanda se depara com sinais da presença de Gabriel em sua casa – seja uma porta que range sozinha, um brinquedo que aparece fora do lugar, ou uma música que começa a tocar misteriosamente – são carregadas de uma ambiguidade que provoca tanto a personagem quanto o espectador.

Esses elementos sobrenaturais nunca são tratados de forma literal. Ao contrário, servem como uma metáfora para o processo de lidar com a perda e encontrar uma forma de seguir em frente, mantendo a memória viva, mas aprendendo a viver com o vazio. Nesse sentido, “Ainda Estou Aqui” ecoa a tradição do realismo mágico latino-americano, onde o fantástico e o cotidiano coexistem de forma harmoniosa.

Mariana Lima entrega uma performance profundamente comovente como Amanda. Sua interpretação, silenciosa e introspectiva, comunica uma vasta gama de emoções sem depender de diálogos excessivos. Os momentos de dor e fragilidade são retratados com tanta autenticidade que é impossível não se conectar com a personagem.

André Dias, que interpreta Gabriel, tem uma presença mínima, mas significativa. Suas aparições são sutilmente fantasmagóricas, nunca explícitas, mas sempre sugerindo que há algo não resolvido entre mãe e filho. A química entre eles, mesmo através do luto e da distância, é palpável e adiciona uma camada de intensidade emocional à narrativa.

A direção de Salles Neto é marcada pela delicadeza e pelo ritmo pausado, permitindo que os momentos de silêncio tenham tanto peso quanto os diálogos. Ele opta por uma abordagem visual intimista, com muitos close-ups que capturam a vulnerabilidade de Amanda e sua crescente sensação de desorientação. A fotografia de Walter Carvalho é outro ponto alto do filme. Ele utiliza uma paleta de cores suave e sombria, refletindo o estado emocional da protagonista. Os enquadramentos são frequentemente preenchidos com espaços vazios, simbolizando a ausência de Gabriel, mas também o vazio emocional que Amanda precisa enfrentar.

“Ainda Estou Aqui” é uma obra que transcende o simples drama familiar para se tornar uma reflexão mais ampla sobre o luto e a conexão entre os vivos e os mortos. O filme nos faz questionar o que significa realmente “estar aqui” – se a presença física é o único modo de existir ou se as memórias, emoções e o amor podem continuar a nos conectar com aqueles que partiram. Com atuações poderosas, uma direção sensível e uma atmosfera carregada de simbolismo, o filme se destaca como uma das melhores produções do cinema brasileiro em 2024. Não é apenas uma história de dor e perda, mas também uma celebração silenciosa da vida e de como lidamos com aquilo que não podemos controlar ou entender completamente.